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terça-feira, setembro 14, 2004
Corpo
2004
Pêssegos
Lembram adolescentes nus:
a doirada pele das nádegas
com marcas de carmim, a penugem
leve, mais encrespada e fulva
em torno do sexo distendido
e fácil, vulnerável aos desejos
de quem só o contempla e não ousa
aproximar dos flancos matinais
a crepuscular lentidão dos dedos.
Eugénio de Andrade
Arrábida
1996
Mar sonoro
Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre só para mim.
Sophia de Mello Breyner Andresen
¿Quién vive plenamente?
Lumiar, 1999
Grados de irrealidad
La esfera más cercana: hay un fuego encendido
y rostros familiares
hay charlas previsibles y silencios
como pequeños lagos
(El verdadero
mar está muy lejos
el silencio total planea, lejos
como vaga amenaza)
Por ahora charlamos y callamos
y la pequeña actividad del día
se abre en abanico
¿Pero quién une gestos y palabras
y días con sus noches
para que sean en verdad reales
no como chispas sueltas?
¿Quién vive plenamente
y está en verdad despierto?
(Temor de estar en rueda de fantasmas
y fantasma uno mismo)
Circe Maia
domingo, setembro 12, 2004
Abandono
1996
As janelas
As janelas
por onde entram as silvas,
a púrpura pisada,
o aroma das tílias, a luz
em declínio,
fazem deste abandono
uma beleza devastadora
e sem contorno.
Eugénio de Andrade
Algo está suspenso
Lisboa, Fevereiro de 2004
O mesmo arco
Eu diria que não vejo nada e que não sei.
Algo está suspenso. A hora repousa.
Eu quero estar vivo como uma ferida, como um signo,
não mais do que um rumor de coisa nua.
Neste momento nada é confuso nem opaco.
Os labirintos são trémulos, transparentes.
Dir-se-ia que atravesso um jardim e toda a vida
repousa entre as forças da cinza
e o fulgor da chama. E adormeço
sentindo a beleza e o tempo, o mesmo arco
iluminado.
António Ramos Rosa
À espera de quem não chega
Basileia, Janeiro de 2002
Calles
Calles de una ciudad que desconozco
con poca gente y viento y lluvia gris.
Espero a quien no llega mientras altas
se encienden luces en ventanas solas
y una mujer pasea en una esquina.
Hay ojos que me miran un instante
y no saben leer las palavras que no digo:
"Dame otro nombre, cambia mi destino".
José Luis García Martín
Gato
São Miguel
Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.
Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.
És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.
Fernando Pessoa, 1931
Silêncio
Monsaraz, 2002
O silêncio
Dai-me outro verão nem que seja
de rastos, um verão
onde sinta o rastejar
do silêncio,
a secura do silêncio.
Dai-me outro verão nem que fique
à mercê da sede.
Para mais uma canção.
Eugénio de Andrade
Daí a mil anos
Monsaraz, 2002
Noite de verão
Passaram muitos dias já, e se me lembro
dessa noite de verão
escurecendo de vaga em vaga
foi porque mesmo no escuro cantavam
as cigarras. Estendido
ao meu lado respirava outro corpo.
Um rasto de juventude
habitava-me ainda. Há corpos
onde não termina.
Um vento leve, a que chamam brisa,
passava entre as miúdas folhas
da oliveira. De repente um cão
ladrou. Estremecemos ambos.
E soubemos então que, mesmo o amor,
teria um fim. Talvez naquela noite.
Talvez daí a mil anos.
Eugénio de Andrade
Pardalinhos em Salamanca
Agosto de 2001
Cantar a los pájaros
Observa con qué facilidad escribes
sobre pájaros. Pero ¿cuántos has palpado
amorosamente con el calor de tus manos?
¿Cuántos han latido realmente
bajo la presión de tus dedos?
¿Acaso los has descrito
sin olvidar detalle como quien
conoce bien un cuerpo amado?
¿Los has liberado acaso
del peso de tus palabras?
Juan Calzadilla
Mariana
2002
As crianças
Elas crescem em segredo, as crianças. Escondem-se no mais oculto da casa para serem gato bravio, bétula branca.
Chega um dia em que estás descuidado a olhar o rebanho que regressa com a poeira da tarde, e uma delas, a mais bonita, aproxima-se em bicos de pés, diz-te ao ouvido que te ama, que te espera sobre o feno.
A tremer, vais buscar a caçadeira, e passas o resto da tarde a disparar sobre as gralhas, inumeráveis, àquela hora.
Eugénio de Andrade.
Segredo
Maio de 2004
Não podendo falar para toda a terra
direi um segredo a um só ouvido
Luiza Neto Jorge